A Obtusa Simplicidade do Ser

Compartilhe:

Lançamento: 27.09.2008
Produzido por biu

Youtube – Amazon –  Deezer –  eMusicGoogle PlayiTunesiTunesRdioSpotify – Tratore

Canções de morte

Imagine que você é convidado a fazer parte de um CD de uma banda que você gosta muito. Comigo aconteceu.

Conheci a Katarse quando eles mandaram pra gente “A Prosaica Onipresença da Criatura”, em 2006. Nesse primeiro CD, ao optarem por assumir riscos, quando erravam ainda estavam acima da média do resto das bandas. E quando acertavam, aí meu caro amigo… aí então é que não tinha mesmo pra ninguém. O resultado foram músicas fantásticas como “Fênix”, “O Céu” e “Tortura Nunca Dantes Catalogada”. Gostei tanto que escrevi a resenha e, na primeira oportunidade, fui no show.

No show fiquei espantado. Além das músicas do CD que eu conhecia – e que eu achava que era o primeiro álbum – tinha mais um monte. Um monte que o público cantava junto! Eram músicas com um quê de esquisitas e um quê de hits ao mesmo tempo. Fiquei louco pra escrever sobre o show no Roquenrou, mas como a falta de tempo – a preguiça – são sempre enormes…

Aí, graças à internet e aos genéricos de ICQ da vida, mantive contato com o vocalista da banda, T. Greguol. E com o tempo descobri de onde vinham as músicas que eu ouvi no show. T. tinha 3 CDs lançados antes da “Prosaica Onipresença da Criatura”!!

Reza a lenda que T. Greguol resolveu montar uma banda para que mais pessoas pudessem ler as poesias que escrevia. E é nas letras que a Katarse guarda as particularidades mais interessantes. Greguol é capaz de criar frases diferentes, contraditórias e divertidas com palavras inesperadas. São letras sempre urgentes, sem paciência pra qualquer lapidação, com grandes sacadas e temas estranhos aqui e ali.

Um dia, recebi a encomenda de uma ilustração pro encarte do próximo disco da Katarse. E, alguns meses depois, apareceu um convite geral para a gravação de coros e gritos em várias músicas do CD. Não podia perder essa! No dia marcado apareci na casa do vocalista. E pude conhecer as novas músicas e gravações de coisas que eu tá conhecia em mp3. Engraçado que, só depois do dia da gravação, é que descobri que no meio de todos os amigos que compareceram pra dar uma canja no CD, estava o Juninho Bill!! Cantei com um ícone dos anos 80 e nem sabia!! Se bem que se ele ler essa coluna, é capaz dele me mandar à merda por chamá-lo de “ícone dos anos 80″…

Nisso já se passou quase um ano e agora, finalmente, “A Obtusa Simplicidade do Ser” foi lançado. Como no anterior, o encarte é destaque. Aliás, desta vez é um encarte suicida!! São 36 páginas, com uma ilustração de um artista diferente pra cada música – inclusive a minha, referente à “Bluesinho…”.
A Obtusa Simplicidade do Ser

Quando você estiver lendo mais um texto dizendo que o disco novo do R.E.M. é fantástico, que eles finalmente resolveram fazer algo decente de novo, sinto te dizer, mas você estará perdendo tempo. Enquanto você ouve Accelerate, tem alguém muito mais feliz que você ouvindo Katarse. Heresia? O disco novo do R.E.M. é realmente muito melhor do que o insosso Around the Sun. Além disso, os velhinhos merecem respeito, merecem ser ouvidos. Só que isso não basta. A Katarse está no auge da criatividade e tem muita coisa boa pra mostrar. E a heresia aqui se encaixa mais no fato do R.E.M. ter uma história e ter vendido milhões de discos pelo mundo do que pela qualidade musical do novo trabalho. Mas longe de comparar Katarse com R.E.M.. As duas bandas não têm nada a ver, na verdade. Mas a questão é essa: O que você prefere ouvir? Um disco mais ou menos de um artista consagrado ou um disco excelente de uma banda independente? Eu gosto de conhecer os dois, mas na prática ouvi o CD da Katarse pelo menos 240 vezes mais que o do R.E.M..

“Gênesis” abre o disco com um Big Bang sonoro. Um blues rasgado, com a letra figura que diz que Deus resolveu criar o mundo graças à sua “digníssima cobiça empresarial”. T. Greguol é uma das poucas pessoas que conheço que pensariam e teriam coragem de dizer à Deus: “toma que o filho é teu”!! Um jeito bem peculiar de pedir ajuda à intervenção divina!
O universo de T. Greguol é formado em grande parte por cemitérios, covas, monstros que falam com você antes de dormir e um contagiante fatalismo-festivo. A primeira que se encaixa perfeitamente na descrição é “Araçá”, canção-homenagem ao Cemitério do Araçá, em São Paulo. O baixo de Miggy Boá e a guitarra pontual de Mário Amore são os maiores responsáveis pela força da música.

“Bluezinho que era pra ser um jazz mas não foi, mesmo porque era pra você e acabou não sendo” (quem mais daria um título desses?) é uma canção de amor inesperada com um refrão impagável exatamente pela métrica não caber na melodia.
“E agora?”, parceria de Greguol com Juninho Bill, começa só na voz. A entrada da banda é muito boa e a letra é de novo destaque: “Eu leio, ouço e assisto a tudo/Continuo vazio e querendo mais”. Tudo pra ser um hit, inclusive pelo refrão nananá-chiclete que só não é perfeito porque dura um pouco demais.

“Condolências”, quando eu ouvi num show uma vez, dei muita risada imaginando aqueles velhinhos mal-humorados em fila de banco dizendo que o mundo é perigoso porque ele viu no Datena. Sabe quando alguém te pega pra te contar que outro dia morreu um cara não sei-aonde? Depois disso, descobri que a letra é séria, o que me deixou com a sensação de estar mesmo assistindo ao Datena, o que não é nem um pouco o meu objetivo de vida. Pena, porque a música é muito boa, e o solo de Mário Amore é um dos melhores que ouvi em anos. Às vezes coloco a música do meio pro final, só pra ouvir esse solo mais uma vez.

A mesma ironia ausente em “Condolências” é a que criou o clássico “Comendo Pitanga”. Imagine uma canção cujo refrão é: “Amanhã um novo dia nascerá”. Imaginou? Aposto que você pensou naquelas melodias bonitas, com artistas da Globo cantando juntos em vinhetas de final de ano. Esqueça. “Comendo Pitanga” é a coisa mais dissonante, estranha, desafinada e desesperada do mundo. Mesmo assim é bonita, porque dá pra imaginar que o cara tá tão desesperado que até o otimismo vem com raiva. Fiquei paralizado quando ouvi e até agora não sei como ele fizeram esse arranjo. Alguma aula de harmonia explica?

“Desabafo” tem uma levada também puxada para o blues de letra simples e cativante, que funcionou muito bem no show de lançamento.

“O Show de Truman”, inspirada no filme homônimo de Peter Weir, tem participação de André Abujamra no vocal. Eu também canto uns tchururus no meio, o que quer dizer que indiretamente já cantei com André Abujamra. A música tem várias viradas, com uma bagunça no final característica da banda e um peso bem legal, com o baterista Bibinho puxando com firmeza os diferentes climas da faixa. Muito boa e também candidata a hit. Gravadoras, jabá, execução em rádio? Isso ainda existe?

“Valeu” é outra música romântica do jeito T. Greguol. A canção que tem o verso “Valeu pelo seu lado estranho de gostar de mim” é uma declaração de amor sincera e ao mesmo difícil de entender. Afinal, “você é linda até em espelho de circo” é uma ofensa ou um elogio? Essa tem um clipe muito bom rolando no youtube, que dá pra ver aqui: http://br.youtube.com/watch?v=qr6XkH4dVes Aliás, há boatos de que todas as músicas do CD têm seu próprio clipe.

O álbum teoricamente fecha com “Apocalipse”. Outra canção de morte, que diz que “O meu apocalipse chega após a falência generalizada”. Uma versão bem legal para o clássico provérbio “O jogo só termina quando acaba”. Um jeito bem Katarse de dizer que não adianta morrer antes da hora.

Mas a última mesmo é uma versão de “Gênesis” recitada pela mãe do vocalista, como numa daquelas histórias infantis gravadas em vinil. É engraçado ouvi-la dizer, com a maior doçura, que “Deus estava lá na dele, todo relaxadão. Não tinha cabeça, pinto, nem coração”. O que evidencia que, apesar do aparente desrespeito e estranheza de alguns trechos das letras de T. Greguol, o que fica no final é uma verdade pura, dita da maneira mais simples. Exatamente onde a poesia consegue ser mais profunda e abrangente.
Rodrigo EBA!

Informações
Todas as músicas produzidas e mixadas por biu. Todas as músicas arranjadas por KATARSE. CD masterizado por Sérgio Soffiatti. Gravado por biu no Estúdio miniMAX, na casa dele, na casa de T. Greguol e gravado por biu & Zé Augusto no estúdio DoZe. As vinhetas “Espelho”, “Graça” e “Gênesis escondida”  foram gravadas no estúdio Stigma em 2002 e foram produzidas por T. Greguol. Projeto gráfico por T. Greguol & Robson Ribeiro de Lima (sob a bênção de Alê McHaddo). O logo/personagem ‘Monstrinho’ é uma criação de T. Greguol. A foto da banda foi tirada por Raquel do Espírito Santo no comecinho de 2007. ‘Monstrinho em veludo, couro, lã e sementes de melão’ por Maria Josephine Knutson. Capa por Adriana Monteiro Moreira. Capa do encarte e bolacha por T. Greguol. “Gênesis escondida” foi declamada pela minha querida mãe, Mércia Tolendal Greguol. Todas as letras por T. Greguol. Todas as músicas por KATARSE, exceto “Araçá”, por Gui Vianna; “Valeu”, por Fábio Bressane; “Desabafo”, por Rto; “E agora?”, por Juninho Bill & biu e “Conselho: Do Eu ao Eles sem exceção”, por Artur Zinho.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.